Curados curvados
Tais Machado fala sobre as doenças de nossa sociedade e aponta o caminho para a cura definitiva
Por: Tais Machado
Manifestações de violências que nos habitam e trazem sérias consequências ao contexto que nos cerca. Perversões sexuais vêm à tona e ganham as primeiras páginas dos jornais e capas de revistas. Escândalos se multiplicam graças à falta de ética, de responsabilidade e de cuidados necessários para se viver razoavelmente em comunidade.
Criatividade em prol da corrupção, com esquemas assustadores que vão sendo assimilados como rotina, na qual o conformismo é quase natural. Todos estão ocupados demais para se envolver em alguma causa, aderir a mobilizações, alçar a voz, agir em favor dos direitos humanos.
O que o evangelho tem a dizer em nossos dias?
Eugene Peterson em Espiritualidade Subversiva diz que "mais profunda e forte que a nossa enfermidade é a nossa cura". Desde que passamos a conhecer o bem e o mal, fomos acompanhados pela promessa da esperança - um redentor. Num longo processo de restauração, Deus forma um povo a partir de Abraão com a promessa de bênção para todas as famílias da terra (Gn 12.3). Uma aliança de misericórdia e amor é feita. Contudo, o pecado nos adoeceu de tal forma que, apesar de Deus falar, ensinar, mostrar, se revelar, nossa rebeldia é constante. O Antigo Testamento mostra a trajetória de um povo negligente, oscilante, idólatra, ingrato, arrogante, que dá as costas para Deus, um Deus que nunca deixou de amar.
Deus fala de uma Nova Aliança. Jesus vem nos explicar melhor, vem dar-se. Jesus vem a fim de que não restem dúvidas, vem sabendo que é necessária uma libertação profunda, que o estado é terminal, mas que o amor é o maior poder. O amor passa a ter rosto, pele, cheiro e nas relações com ele pessoas são curadas. Ele faz questão de deixar claro: "Os sãos não precisam de médico e, sim, os doentes. Não vim chamar justos, e, sim, pecadores ao arrependimento" (Lc 5.21-32).
O problema é tratar doente que não quer ser tratado. Muitos se recusam, até mesmo cientes. Porém, enquanto não admitir que sou doente, posso não entender do que preciso me arrepender. Consequentemente Jesus e sua vinda não fazem sentido algum. Eu me basto. Posso continuar doente achando que estou saudável, recusando e fugindo de qualquer tratamento, ou até buscando confusamente a cura num amor que não se realiza por se tratar de fonte errada. A arrogância confunde pouco caso com proteção. Infeliz ignorância! Como diz Paulo Brabo, "Jesus evidentemente não veio para os santos, os intocados, os poupados, os intocáveis, os que merecem uma categoria à parte. Sua paixão é pelos mistos, os imundos, os misturados, os irremediáveis, os caídos, os violados, os atormentados, os não resolvidos". Como então nos definimos?
Há uma cura, profunda e forte, a ser experimentada por aqueles que abandonaram tipos, máscaras, que baixaram seus muros de proteção que nada protegiam; afinal, a doença não estava fora, mas dentro. O amor de Deus é um verdadeiro processo terapêutico em longo prazo.
Aquele que foi ferido agora trata das feridas daqueles que se percebem feridos. O profeta Isaías estava correto: "nele somos curados" (Is 53.5).
Há uma cura radical para os confinados em suas misérias, em suas feridas, antes definitivas. Agora, Cristo faz novas todas as coisas (2Co 5.17). Ele define tudo de maneira nova.
Agora, os feridos em tratamento podem partilhar sua experiência, dizer do remédio, atentar ao tratamento, zelar pelas recomendações do médico de nossa alma.
Boas novas para os nossos dias! Nesse tempo de extremos podemos testemunhar, mostrar nossas próprias feridas, deixar que elas sirvam. Deus transforma, como percebeu José no Egito (Gn 50.19), o mal em bem.
A cura nos faz cada dia mais humildes. E não há mérito nisso. Simplesmente é a conclusão de quem se relaciona com Cristo. Diante de Deus o que nos resta? O que sobra de nós para lhe oferecer? Nele revemos toda nossa postura. Nossa completa inadequação é exposta. Pode ser bastante dolorido, mas tudo é acolhido de forma amorosa por aquele que continua vindo ao nosso encontro.
Diante da grandeza de Deus e seu amor curador, vemos que nada somos sem sua graça e misericórdia. Nosso próximo é mais igual do que imaginávamos. Todos nos curvaremos, cedo ou tarde.
Hoje, nossa sociedade precisa ver mais gente curvada diante de Deus. É fato que o pecado, em certo sentido, também nos curva. As injustiças, a desigualdade social, deixam grande parte da população prostrada em suas misérias e lamentos. O pecado, em última análise, nos curva diante da morte. Mas, aqueles que verdadeiramente se relacionam com Jesus se curvam espontaneamente em temor, alegria e amor.
Que a nossa vida mostre mais sobre quem é Jesus e os efeitos de seu amor restaurador em nossa vida.
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